quinta-feira, 8 de março de 2007

E da Clara Fez-se Neve...

Como os comentários da primeira postagem foram bons, voltamos. E voltamos aos ovos, mais precisamente às claras. Quando eu era criança, achava muito estranho aquele negócio de bater a clara molenga e ela virar uma coisa branca resistente que a minha mãe chamava de neve. Não há nada de estranho nisso e a explicação é bem simples.
A clara tem uma estrutura molecular muito interessante. A ligação é muito bem feita e difícil de ser rompida. Aproveitamos essa estrutura para "armazenar" ar dentro dela. É, ar. É o que fazemos quando batemos as claras. Vamos incorporando ar dentro desssa estrutura e ela passa a ganhar aquela forma interessante. É por isso que usamos claras em neve para receitas que devem ficar fofinhas. Ficam fofinhas porque enchemos de ar. Sabe aquele chocolate Suflair? É a mesma coisa.
Para conseguir boas claras em neve vão aqui algumas dicas:
  • apesar de conseguirmos separar clara e gema mais facilmente em ovos que ficaram na geladeira, batemos melhor as claras em temperatura ambiente. Se você guarda seus ovos na geladeira, retire-os um pouco antes de começar a cozinhar para que recuperem a temperatura.
  • se possível, bata as claras num recipiente de inox, pois retêm menos gordura e equilibram a temperatura, produzindo neve de melhor qualidade.
  • comece batendo em velociade baixa e depois vá aumentando. Faça isso para criar uma base estrutural com pequenas bolhas de ar, que são mais estáveis que as grandes. Sabe quando fazemos bolhas de sabão? As grande estouram mais facilmente que as pequenas. Aqui vale a mesma lógica.
  • um truque legal: antes de começar a bater, acrescente às suas claras um pouquinho de nada de vinagre ou um tiquinho de sal. Não fica gosto algum e eles provocam uma variação de pH que proporciona neves mais firmes.
  • e não se esqueça: ao acrescentar as claras em neve à sua receita, incorpore-as bem devagar, misturando lenta e cuidadosamente, para não perder o ar. Afinal, foi para isso que você bateu as claras!

E vamos à receita!

SUFFLÉ DE GOIABADA

Para cada 100g de goiabada, você vai precisar de 1 clara. Se os ovos forem muito pequenos, coloque mais uma no conjunto. Cada 300g servem 5 pessoas. Coloque a goiabada numa panela e acrescente um pouquinho de água filtrada (a função dela é só facilitar o derretimento sem queimar o doce). Leve ao fogo baixo e, mexendo sempre, derreta a goiabada. Se você tiver medo de queimar o doce, pode derreter em banho-maria. Se você se garante, derreta no microondas. Depois de derretida, deixe a goiabada esfriar. Bata as claras em neve, em picos duros. Picos duros? É, quando formam-se picos bem resistentes enquanto você está batendo. Aos poucos e com cuidado, vá juntando a clara batida à goiabada derretida. Bastante cuidado, não queremos perder o ar! No início, parece que não vai dar certo, mas certas coisas na cozinha exigem um pouco de fé. Tenha fé e vá misturando com cuidado. Você verá que vai ser formar uma "espuma" homogênea. Coloque essa espuma em refratários e leve ao forno baixo em banho-maria. Estará pronto quando estiver dourado por cima.

Sirva com um molho frio de queijo. Faça-o assim: misture a mesma quantidade de creme de leite e requeijão de copo. Leve à geladeira. Se você quiser incrementar mais, leve-o ao congelador, deixe-o por 1 hora, retire-o, bata no liquidificador e devolva-o ao congelador. Fica quase um sorvete. Uma outra variação é misturar a mesma quantidade de creme de leite, requeijão de copo e catupiry. Leve à geladeira.

Um outro modo de montar essa sobremesa é colocar um pouco da espuma crua do sufflé no refratário individual, colocar um pedaço de catupiry e completar com a espuma crua. E aí levar ao forno (baixo e em banho-maria). Também fica ótimo. Eu, particularmente, gosto mais do contraste do sufflé quente com o molho gelado.

Aproveite essa sobremesa que é show de bola. Na próxima semana, vamos sair um pouco da ciência e dos ovos. Vamos falar de história e vinho. E ainda rolará a receita do macarrão ao molho de vinho, que, segundo a minha mãe, deveria me condenar à prisão perpétua por afrontar várias culinárias tradicionais com um só prato. Boa semana e bom apetite.